sexta-feira, 10 de outubro de 2008

NEPALS


HISTÓRICO...

O Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Alimentação e Sociedade
(NEPALS) busca se constituir em um espaço de reflexão, ação e reflexão sobre ações que envolvam as diferentes dimensões da alimentação na perspectiva das ciências sociais. Neste sentido, propõe-se como promotor e apoiador de iniciativas de pesquisa e extensão, articuladas ao ensino sobre esta temática.
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NEPALS surge com o intuito de criar uma dinâmica de trabalho entre profissionais com diferentes níveis de formação e vinculadas às diversas instituições acadêmicas, ONGs, movimentos sociais, cooperativas e associações de classe. Deste modo, pretende-se gerar debates, estudos, artigos acadêmicos, dissertações, teses, assessorias e consultorias, sempre promovendo o diálogo entre o saber popular e científico.
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NEPALS assume a necessidade de um enfoque interdisciplinar, pois compreende a alimentação como um fenômeno que exige, em sua compreensão, referenciais de várias disciplinas, mas não de forma mecanicamente adicionadas, mas no entrecruzamento teórico e metodológico entre elas. Considera-se a alimentação como um processo de fundo biológico, mas eminentemente condicionado por elementos sócio-culturais (Poulain, 2004), onde interagem variáveis econômicas, psicológicas, políticas, culturais e ambientais. Deste modo, se impõe uma abordagem capaz de integrar diferentes áreas do conhecimento e mais, promover e facilitar a comunicação entre estas e delas com a população em geral.
A origem dos profissionais vinculados ao
NEPALS é na áreas dos estudos do espaço agrário, abordando suas transformações tecnológica, econômica, social e ambiental por que passou no século XX, em especial no período após a segunda guerra mundial. Com formação em ciências agrárias, majoritariamente em agronomia e zootecnia ou em áreas correlatas, este profissionais tem construído sua trajetória acadêmica através do estudo da agricultura familiar em sua diversidade e especificidade, o desenvolvimento rural com processo de transformação societária e as estratégias no sentido da promoção da sustentabilidade de sistemas agrícolas. Neste escopo, tem se destacado as temáticas da Agricultura Familiar (sistemas de produção, gestão econômica e ambiental, relações sociais, erosão cultural alimentar e outras), da Agroindústria Familiar Rural- AFR (Tipologia, diferentes enfoques da qualidade em alimentos, identidade territorial e políticas públicas), desenvolvimento local e regional (enfocando a participação dos agentes sociais, a potencialidade do rural como fator de desenvolvimento, regiões marginais e espacialidade do processo de desenvolvimento), Extensão Rural como área de encontro das vivências e interesses dos componentes do grupo (Definições de ATER, Metodologias e Formação de Agricultores e Agentes de Desenvolvimento) e Agroecologia em seu desafio na mudança das práticas agrícolas.
Mais recentemente, passa-se a perceber os limites do enfoque baseado nos processos de produção, sem considerar os sistemas de distribuição e consumo de alimentos, onde emergem a partir dos anos 1990 as grandes redes de supermercados como importante ator social e quando crescem as exigências em relação a saúde e ao meio-ambiente no sistema agroalimentar.
Nestas novas temáticas para o grupo assume relevância as relações entre produção-distribuição-consumo de alimentos considerados de qualidade superior,
...aqueles que possuem atributos positivos em relação a saúde (naturais ou orgânicos), ao meio-ambiente (produtos da agricultura ecológica ou orgânica, provenientes de projetos de desenvolvimento local sustentável), ao aspecto social (produtos oriundos da agricultura familiar ou assentamento de reforma agrária) e ao aspecto cultural (alimentos artesanais ou de gastronomia típica regional), baseando-se em Wilkinson (2006) e Hernandez (2005)(Silveira et all, 2008).

Neste sentido, as produções do grupo tende a incorporar a temática das diferentes definições de qualidade no contexto do debate sobre a emergência de um “Turn of Quality”, definido como
...um movimento integrado por organizações sociais de consumidores e agricultores, acadêmicos debruçados em torno das novas alternativas econômicas, onde ressalta-se a superação de um padrão de produção e consumo voltado a quantidade por um novo padrão centrado na qualidade dos alimentos. Neste movimento, argumenta-se que os consumidores buscam alimentos com identidade territorial, resgatando as cozinhas regionais, um apelo ao consumo justo (relação que implique em um preço minimamente necessário para manter ao agricultor produzindo e vivendo de forma digna), e consumo ético (apelo a alimentos produzido em relação sociais de não-exploração do trabalhador, garantindo-lhe condições dignas de trabalho, além de remuneração e direitos trabalhistas constantes das convenções internacionais), no apelo a alimentos orgânicos em um compromisso com a alimentação saudável e com o meio-ambiente (Silva, Sulzbacher e Silveira, 2008).

Também tem assumido relevância as temáticas em torno do novo padrão alimentar em emergência e as re-configurações entre as relações entre produção-distribuição-consumo que constitui, buscando-se relacionar com as implicações sobre a agricultura familiar, a produção artesanal de alimentos, a agroecologia como estratégias de desenvolvimento rural e regional. Também, merece destaque, a temática da gestão ambiental em espaços rurais em suas diferentes dimensões, acentuando-se os conflitos entre os diferentes atores sociais e poderes públicos, ancoradas nas lógicas do imperativo técnico e na construção sócio-ambiental.



A ALIMENTAÇÃO COMO EIXO ESTRUTURANTE

Atualmente, os poucos trabalhos que versam sobre a questão da alimentação retratam o empobrecimento da dieta da agricultura familiar devido aos processos de modernização da agricultura e a acelerada urbanização da sociedade. Por um lado, a estratégia de modernização agrícola estimulou uma agricultura de mercado, baseada no monocultivo e especialização da família agricultora em determinados produtos, acarretando uma insegurança alimentar, devido a redução as atividades destinadas ao consumo familiar. De outro lado, a Urbanização do rural, promovida pelos avanços da comunicação e meios de transporte, permite que grande parte da alimentação passe a ser adquirida nos centros comerciais urbanos. Se este processo traz a possibilidade de acesso a uma alimentação mais variada, também implica em uma alimentação industrializada com suas características de malefícios a saúde e desequilíbrio nutricional.
Mas, se isto põe a alimentação como elemento dos estudos agrários, é sua maior complexidade que torna este tema de fundamental importância para os a compreensão dos processos agrários e exige uma maior atenção das ciências sociais. Isto tem ocorrido nas últimas décadas, por que historicamente a alimentação tem sido preterida pelos cientistas sociais como um objeto de estudo menor
. Somente este fato já indicaria a alimentação como uma temática relevante, mas seria suficiente para torná-la eixo integrador das temáticas do NEPALS?
A temática da alimentação, de certa forma, articula todas as questões abordadas pelo grupo e coloca uma reflexão que vai além do que e como produzir na agricultura, mas implica questionarmos para que e para quem produzimos, onde a alimentação contemporânea em suas práticas e exigências culturais ultrapassa sua função biológica e assume um papel central na re-construção de novas formas de sociabilidade. As distinções rural-urbano, agrícola-industrial, produção-consumo, quantidade-qualidade, são polaridades que não dão conta na compreensão das profundas transformações por que passa a sociedade mundial no alvorecer do século XXI. E , certamente, estudar a alimentação, estimulará e pressionará na superação destas distinções metodológicas, que na ânsia de compreender o real, acabam fragmentando o conhecimento e mutilando as inter-relações entre o natural e o social, resultando em uma natureza desumanizada e uma humanidade desnaturalizada. A crise ambiental contemporânea é, em grande parte, gerada neste processo e sua permanência, a retro-alimentação permanente desta anomalia civilizatória.


Referências Bibliográficas
SILVEIRA, P. C. da et al. A construção da identidade territorial em Sistemas Agroalimentares Localizados – o caso da região da Quarta Colônia de Imigração Italiana do Rio Grande do Sul/Brasil. In.: ALFATER - Anais..., 2008. p. 01-24.

POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação, Florianópolis, Ed. UFSC, 2004.

SILVA, T. P.; SULZBACHER, A. W.; SILVEIRA, P. R. C. Entre a arte e a técnica: os limites e potencialidades da agroindústria familiar rural. (mimeo)